segunda-feira, 5 de outubro de 2015

A vodka dos que não (lembram) que foram.

Essa é uma história que precisava de um certo distanciamento. De um tempo para reflexões e para pensar sobre.

Dia 12 de Setembro de 2015. Casamento de uma amiga muito especial (no sentido de ser muito querida e tal). Casamentos quase sempre são muito legais, os amigos se reúnem, é o dia mais feliz da vida (ou não) de quem tá lá na frente, casando e por aí vai. A cerimônia foi bonita, quase chorei quando a noiva falou os votos e o Sol se recolheu na exata hora em que os dois oficializavam o começo dessa nova fase cheia de amor. S2 S2, né?

Aí veio o jantar. Comida excelente, risadas, cerveja. Como já foi documentado, eu gosto de beber, e estava pegando leve, esperando a festa. E ela chegou.

Música rolando na pista, vou até o bar e peço vodka com gelo. A mocinha diz que não pode. Eu insisto e ela resolve me dar a vodka com gelo. De novo, estava tomando de boa, conversando com os amigos. De repente aparece um objeto parecido com uma bacia gigante, com canudinhos de borracha dos lados. Pessoas enchem essa bacia com vodka e suco. Escuto uma voz falando: ''vai lá, Nic!''. Eu vou e tomo mais que o resto, tava docinho. A partir desse momento nenhuma memória se faz presente na minha cabeça. Tudo que eu lembro é de antes dessa máquina infernal. As moças bonitas rindo nas mesas durante o jantar, elas dançando na festa e as conversas que tive.

Domingo de manhã. Acordo, como se Jesus tivesse me dado uma surra e gozado nos meus olhos, sem saber como voltei pra casa. Olho meus pertences, não acho minha calça. Vou ao banheiro e lá está ela, dentro da banheira, toda molhada. Olho no espelho e minha testa e meu nariz estão ralados, e levo um susto do caralho, achando que posso ter brigado. Não lembro de nada mesmo. Volto pro quarto, confiro meu dinheiro e ele está lá. Olho pro celular e tem mensagem da minha melhor amiga, que parece a Miley Cyrus: ''Nico, você chegou bem? Me avise urgente''. Aí eu pergunto pra ela o que aconteceu com minha cara e ela responde que eu fiquei muito mal e me botaram sentado numa pedra, e que eu, gracioso como sempre, caí de cara no chão, com a bunda pra cima, e não levantava. Isso explicava as pedrinhas que estavam na minha boca até de manhã.

Depois ela me conta que eu vomitei no banheiro das mulheres (espero que na privada), e alguém que trabalhava lá me levou de volta aos meus amigos, que se transformaram numa UTI e me deram doce e quiseram chamar ambulância, porque pelo jeito eu estava muito mal. Ela também conta que quando eu aprendi a falar de novo, dei meu endereço, e alguém o anotou numa plaquinha, que eu achei na minha garagem depois.

Domingo foi foda. Dores abdominais por ter vomitado coisas que estavam no meu organismo desde a quinta série, não achei minha gravata nunca mais (até hoje torço pro taxista não ter dado uma de 50 Tons de Cinza comigo), pessoas postando fotos que eu não lembro de ter tirado, numa cabine que eu não sabia que tinha na festa, e a pior ressaca de todas, a moral.

Após todo esse sofrimento e toda a vergonha, eu prometi que não ia mais beber. Essa promessa, é claro, durou 2 dias, e na quarta, com aquele calor dos infernos, eu já queria tomar umas. Mas fui forte e esperei até sábado. Achei que talvez fosse melhor parar de tomar suco e confesso que não passei mal desde então.


quinta-feira, 23 de abril de 2015

Fotografia

Ela não se vê. Compara-se e enxerga defeitos. Às vezes, uma dobrinha aqui e ali, uma cara de eternamente cansada. Outras vezes, o nariz que poderia ser mais arrebitado, a perna que poderia ser mais atlética, a barriga que poderia não ser. Em alguns momentos, vê apenas uma carne desfigurada e imagina que não teria conserto. Porque não tem dinheiro. Ou porque não acredita que exista um cirurgião tão capaz. Os amigos próximos falam da beleza daquela mulher na capa da revista. Elogiam a garota que passou a caminho da academia e dizem que ela deveria seguir tal exemplo. Ela concorda, mas nada comenta sobre a dieta que faz há tempos e que a priva das coisas que realmente gosta. E que nao funciona. Porque provavelmente não está fazendo direito, pensa. "Não consigo deixar de ser burra", "Sou um atraso de vida", "Por isso não arranjo ninguém que goste de mim". Ela não se vê. Cobra-se. E respira fundo, tentando inutilmente conter o soluço e as lágrimas. Está anoitecendo e ela morre junto ao dia.

quinta-feira, 9 de abril de 2015

Odisseia

Recebo meu salário sempre no quinto dia útil do mês, como muita gente por aí. Não, não quis dizer que recebo o pagode e vou direto pra zona do meretrício gastar meus suados reais, mas que vivo uma realidade comum a quase todos os assalariados brasileiros.

Enfim, quando o dia do pagamento cai próximo a um fim de semana, já me confundo nas datas. Piora ainda quando tem feriado, como aconteceu dia desses, na Sexta-feira Santa. Eu achava que iria receber na terça-feira, estava empolgado, vibrando internamente (não é isso que você está pensando) com as possibilidades vindouras a partir do momento que a firma depositasse meu dinheiro na conta. Passou o dia e eu, ávido por novidades e com um fio de esperança, conferi periodicamente meu saldo pela Internet (é, sou desses que vive perigosamente). Nada de depósito e só então fiz as contas dos dias e percebi o ledo engano: o quinto dia útil seria quarta-feira. Cacilda!

Após o trampo, tinha de ir ao centro de Curitiba e voltei só no final da noite pra casa, umas 23h40 (moro em São José dos Pinhais, município vizinho, pra quem não conhece). E não tinha grana pra por créditos no celular, não pude avisar minha irmã (santa irmã, que sempre prepara minha marmita pro dia seguinte) que eu iria voltar pra casa, e ela provavelmente supôs que eu fosse dormir na casa de algum(a) amigo(a) em Curitiba, e logicamente não separou a comida em um pote pra eu levar pro trabalho.

Nessa terça à noite, tive falta de ar e não parava de tossir - tenho isso desde a mais tenra idade, até me acostumei, mas é um saco. Demorei um pouco para dormir e, na quarta, levantei um pouco atrasado para ir ao trabalho, meio zumbi. Quase perdi o ponto, distraído com esses joguinhos fascinantes do smartphone.

Lá pelas 10h30, no escritório, saí da minha sala para ir ao banheiro me distrair com esses jog... digo, fazer minhas necessidades. No caminho, notei meu tênis (eu disse TÊNIS) um tanto folgado no pé e vi o cadarço meio solto. Dentro do banheiro, constatei que o mesmo simplesmente se arrebentou. Sozinho, sem explicação. Lá fui eu tirar o tênis, jogar o pedaço menor do cadarço fora e amarrar de volta com certa dificuldade (sou velho, gordo sedentário e considero qualquer atividade física insalubre).

No almoço, num restaurante ali perto, gastei meus últimos trocados, fiquei totalmente zerado. Durante a tarde, mais tosse e, pra piorar, meu nariz entupiu, o que aumentou consideravelmente a falta de ar. Mas sou uma cara super "pra cima", otimista, retardado e tal. Sempre penso que tudo vai melhorar e, óbvio, ajudava meu psicológico lembrar que receberia o salário nesse mesmo dia. Pelo menos, até saber, através de comentários aleatórios, que já haviam depositado o dinheiro dos funcionários, menos o meu. Eu sabia que não havia sido depositado porque via pelo site do banco toda hora. E comecei a pensar se não tinham se esquecido de mim, sei lá, muita correria, poderia acontecer esse tipo de coisa.

Chegou a hora de ir embora do serviço e nada. Eu estava andando cabisbaixo, um tanto conformado, em direção ao ponto eletrônico. Mas, ao passar pelo departamento pessoal, fui chamado. Lembraram de mim! Não fui esquecido! Eu sabia, a vida é bela! Na sala, o gerente financeiro me chamou e disse que ia pagar em dinheiro mesmo. Melhor ainda! Até, é claro, eu ver o valor no holerite. Nem meu otimismo debiloide me salvou da imediata depressão que criou morada em mim naquele momento. Muitos descontos, vale extra e conta alta do convênio com a farmácia (onde só compro porcaria, quase nunca remédios mesmo). Veio muito pouco. Quase chorei, mas me contive, não queria que me vissem totalmente abalado. "Resta agora apenas ir pra casa", pensei. E fui. Ou, melhor, tentei.

Antes, passei na farmácia (comprar remédio pra tosse e pro nariz entupido, nem comprei besteiras, apesar de você, leitor(a) pensar isso). Depois, calmamente, fui à panificadora. Calmamente, porque eu decidi pegar um ônibus que pára quase em frente à minha casa, mas que demora um pouco mais pra chegar no meu ponto. Caso contrário, teria de pegar um pro centro de Sanjuba (apelido do lugar em que moro) e mais um para minha casa, que também demora a passar - já notaram que moro longe, certo?

Cheguei no ponto umas 18h25, o ônibus direto pra casa passaria ali umas 18h45. Fiquei esperando, ouvindo o bom e velho Morrisey pelos fones. Esperando. E esperando. Olhei as horas, o coletivo chegaria a qualquer momento, fiquei esperto. É uma avenida muito movimentada, principalmente nesse horário, por isso tenho de ficar esperto sempre. Mas... Nada. Não passou. "Atrasado", pensei. E esperei mais. E mais, e mais... Já eram umas 19h e lá vai pedrada (falou assim, é véio) e só eu e uma mulher no ponto, esperando o mesmo busão. Não veio. Simplesmente não apareceu. E tem poucos horários essa linha, não dava pra esperar o próximo. Resolvi, indignado, pegar o que ia pro centro mesmo. Um pequeno detalhe nisso tudo: sou míope, já estava anoitecendo e mal enxergava o nome dos ônibus pra pegar o certo (só tenho certeza que o outro realmente não passou porque tinha essa mulher junto esperando - ou seria ela míope também?). Resultado, passaram dois (DOIS!!) que iam pro centro de Sanjuba e eu perdi por não enxergar direito. Até que, finalmente, consegui avistar um e o peguei. Desci no centro e, puto, peguei um táxi pra casa (que se dane o mundo).

Cheguei umas 20h em meu lar (lembre-se: saí do trampo às 18h), com frio, porque às 18h ainda estava de boa sair só com a camisa e não quis colocar a blusa. E tossindo pra caralho. Tanto que a maldita tosse me tirou o sono. Aí lembrei que comprei remédio. Lembrei tarde da noite, mas lembrei. Tomei o xarope e capotei. No final do frigir dos ovos, não consegui acordar cedo - efeito colateral do remédio. Ao acordar, ainda estava com muita tosse e falta de ar. Ainda estou, enquanto escrevo estas linhas, em casa, porque não consegui ir ao trabalho. E não tenho atestado, porque não fui ao médico. Não fui ao médico porque não tenho dinheiro e nem plano médico.

Certeza que mês que vem eu vou chorar no dia de pagamento novamente. Digo, se eu acertar o dia.

quarta-feira, 18 de março de 2015

Eu vi o futuro, bee, ele é passado

Eu sei o que é preconceito. Quando era criança e frequentava a escola, zombavam de mim por ser evangélico. Quando ia para a igreja, era obrigado a levar a Bíblia escondida, pois corria o risco de ser vítima de violência nas ruas. Mas nem sempre foi assim.
Tudo começou pouco antes de eu nascer. Meu avô foi um homem íntegro e do bem, e lutou com todas as suas forças contra esse mal, tentando fazer do mundo um lugar onde todos os que eram normais tivessem uma vida justa e tranquila. Ele era um homem de Deus e sempre batalhou pelo ser humano. Mas apesar de todos os avisos, nem mesmo ele poderia prever o que aconteceria.
Como qualquer ditadura, essa começou aos poucos. Cartilhas nas escolas, meninos de mãos dadas com meninos (na rua!!!), propaganda nas novelas, leis que davam privilégios e oprimiam as pessoas normais. Aos poucos foram invadindo áreas como a política, com a intenção de criar leis que os ajudassem a controlar cada vez mais o povo, para que suas idéias e crenças fossem impostas em nós. Usavam da Psicologia e do vitimismo, sempre ardilosos.  Logo percebemos que não era mais possível mudar os canais da TV. E tudo que víamos eram novelas com cenas de casais homossexuais, fazendo com que nossas crianças crescessem desviadas. E não havia nada que pudéssemos fazer.
Pessoas começaram a desaparecer. Suas casas eram invadidas e elas eram retiradas violentamente de suas famílias consolidadas. Pais e mães eram sequestrados nas ruas e levados para lugares secretos, para salas escuras. Voltavam transformados em gays. O fim da família tradicional estava próximo.
Nas ruas era possível ver uma criança com dois pais ou duas mães, debaixo de outdoors que pregavam isso como se fosse algo natural. Mas o pior estava por vir.



Depois que meu avô morreu, um antigo guerrilheiro da causa gay, que vou chamar de JW, criou uma lei que possibilitou que eles mudassem uma das mais sagradas heranças que tínhamos: a Bíblia. Partes dela foram reescritas, partes foram apagadas. Eles a usaram para ensinar às gerações mais novas que ser gay é normal, que não há nada de errado nisso. Foi a pior lavagem cerebral que presenciei. Toda a luta do meu avô, suas tentativas de curar e evangelizar foram por água abaixo.Até mesmo nosso exército, Os Gladiadores do Altar, foi dizimado, junto com a maioria das igrejas.
Ainda existem poucas Bíblias originais em algumas igrejas clandestinas, com pessoas que acreditam em Deus e tentam espalhar a verdade. Mas somos a minoria. Sofremos abuso e discriminação. Corremos o risco de morrer. Ou de virar travestis.
Apesar de tudo isso, eu continuo a lutar. Eu e mais alguns poucos. Não vamos desistir da nossa causa. Vamos devolver o mundo a quem é direito. E para os ditadores gays eu digo isso: vocês vão ter que nos engolir!


M. F. Neto.

sábado, 10 de janeiro de 2015

Aquela que escapou

Sábado, 6 de Setembro de 2014. Depois de encontrar Servejão Augusto numa convenção de gibis, junto com um amigo em comum (uma bichona), nós nos direcionamos ao nosso lugar preferido: a saun..digo, ao Sal Grosso.
O dia está quente, e depois de andar um pouco, tudo que queremos é uma cerveja. Nossos papos de sempre se desenrolam, até que ele tem a idéia de chamar uma amiguinha dele. Como sou discreto e prezo pela privacidade dela, não vou citar seu nome verdadeiro, que é Aline. Vamos chamá-la de Alice.
Sergio retira seu celular do bolso, e manda uma SMS pra Alice (naquela época ele ainda não tinha Whatsapp), que responde e diz que está indo. Sergio fica alegre, pois já havia beijado a mesma havia algum tempo. Ele é bem safado.
Resolvo então chamar uma amiga nossa. Sergio, sábio, havia me falado que no dia em que a conheci, ela tava afim de mim. Eu,claro, não percebi. Enfim a chamo e ela vai. Bacana, não?
As duas chegam (não juntas, porque nem se conheciam), a gente conversa, bebe, dá risada e tudo vai bem. Resolvemos então ir ao Lado B, porque o morrinho é o morrinho.
Chegamos lá, pegamos nossas very long necks, e sentamos no morrinho. Falamos sobre filmes e outras coisas que eu não lembro. O clima entre eu e minha amiga esquenta (não vou falar o nome dela pra não envergonhar a moça. E porque ela é advogada, pode tirar meu XBOX nos tribunais). Vejo que Sergio também vai se dar bem. Aí me dou conta de que preciso mijar, porque cerveja é foda e prega essas peças na gente. Levanto do morrinho e vou ao banheiro. Mijo. Saio do banheiro e Sergio está na fila, logo atrás de mim. Vou lavar as mãos e ele vai fazer xixi (ele não fala ''mijar''). Pergunto como tá a situação com a Aline. Merda, Alice. Ele fala que tá de boa. Ele fica fazendo xixi e eu volto pro morrinho. Vejo que minha amiga tá sozinha lá e pergunto se largaram ela lá, com voz de bebê, porque sou charmoso. Ela responde, sem saber direito o que falar:

-Ela foi embora.

-Hã? Como assim? - pergunto eu, muito muito espantado.

- É. Falou que eu não vi ela aqui, que queria dormir sozinha e foi naquela rua ali.

-Caralho, que idiota.

-Foda, cara. O que que eu falo pro Servejão?

-Ah, tem que falar a verdade, ela que foi imbecil.

Nesse momento, ela me dá um beijo no ombro. No MEU ombro. Não beijo no ombro tipo Valesca Popozuda. Lembram que falei que Sergio é um sábio? Ele é.
A gente fica lá no morrinho da perdição, dando beijo e tal, e eu esqueço do Sergio. Segundo ele, um tempão passou, ele foi perto da gente e nem notamos. Hehe. Aí eu paro,vejo que ele está batendo papo do outro lado da rua e o chamo. Explicamos pra ele o que aconteceu e ele entende de boa, porque é um ser humano incrível. A noite, porém, estava longe de acabar, porque nossa amiga teve uma idéia brilhante: puteiro.


                                         (Todo cara tem aquela mulher. Aquela que escapou...)

Chegando lá, sentamos no sofá, bebemos whisky vagabundo e conversamos. Chamamos uma amiguinha pro Sergio, que acaba fazendo amizade com a turma toda, de tão gente fina que era.
Um tempo depois, peço o celular do Sergio, para mandar uma SMS pra Aline. Alice. Mando: ''putz, vc foi cagar e fecharam o bar. E agora?''
Sergio ri, guarda o celular e logo o retira do bolso novamente. Ela respondeu. ''Tô no largo, esperando você''. Foda. Ele, macaco velho que é (e bêbado) nem dá bola. Não responde e guarda o celular.
Depois fomos para o Gato Preto, Sergio dormiu na mesa, Ray Charles (ou um sósia) dançou e derrubou nossa amiga, mas tudo acabou bem.
Vou terminar assim porque vocês já perceberam que eu nunca sei direito como acabar texto. É um defeitinho meu, me perdoem, prometo melhorar.


P.S: Sergio tá solteirão ainda. Eu também, mas ele é bem mais velho que eu e pode morrer sozinho antes. Mandem cartas, meninas. Ou mensagem no Whatsapp.